‘Não é hora de tirar máscara em ambiente fechado’

Um dos principais nomes da linha de frente da luta contra a pandemia da covid-19 no Brasil, a pneumologista Margareth Dalcolmo, da Fiocruz, disse que está muito preocupada com a decisão de muitas cidades, entre elas São Paulo e Rio, de suspender a obrigatoriedade do uso da máscara. “Acho que essas medidas foram precipitadas”, afirma.

Autora do estudo definitivo sobre a ineficácia da cloroquina e responsável pela testagem de outros dois remédios contra a covid-19 (que já se revelaram eficazes), ela afirma que esta, definitivamente, não será a última epidemia enfrentada pela geração atual, sobretudo diante do desequilíbrio ecológico e das mudanças climáticas do planeta. “Se você me perguntar do que eu tenho medo, como acho que a vida no planeta vai acabar, eu não citaria bomba atômica ou um meteorito. Diria que tende a acabar com epidemias, sobretudo agora com o homem favorecendo ecologicamente o surgimento de novas doenças”, sentencia.

A seguir, confira a entrevista que Margareth Dalcolmo concedeu ao jornal O Estado de S. Paulo.

Muitas capitais, como Rio e São Paulo, já aboliram o uso de máscaras mesmo em espaços fechados. A senhora acha que essa decisão foi precipitada?
Estou muito preocupada com esse afã muito precipitado de tomar medidas administrativas e comportamentais, como retirar a exigência do uso de máscaras em ambientes fechados. Considero um erro. Não é hora de tirar máscara em ambiente fechado. Essa é outra discussão com a qual não deveríamos estar perdendo tempo. A prioridade agora é vacinar criança, convencer os pais da importância da vacina.

Estamos caminhando para o fim da pandemia?
Olha, eu não sei, diante do que está acontecendo na China e também na Coreia do Sul. A Coreia do Sul distribui máscaras de boa qualidade para todo mundo e testava muito, até no sinal de trânsito. Mas o que aconteceu foi que eles relaxaram. Vacinaram muito pouco. Até 80% da população idosa não foi vacinada.

E no Brasil? O que podemos esperar?
Até este momento, nada indica que teremos uma nova onda, mas podemos ser surpreendidos. Temos de esperar mais umas duas semanas para ver como vai se comportar essa disseminação na Ásia. Enquanto isso, precisamos resgatar as pessoas que não tomaram ainda a terceira dose. Outra situação que nos preocupa é a baixa taxa de vacinação pediátrica, que decorre desse temor que foi passado à população pela retórica oficial. Outra coisa que defendo é o autoteste, acho importante. E não devemos perder tempo com essa discussão sobre se já estamos em uma endemia ou não. Isso é uma bobagem. Quem declara isso é a Organização Mundial de Saúde (OMS). Sabemos que o Sars-CoV-2 não vai desaparecer, vai guardar certa endemicidade.

E o que há para dizer dos novos medicamentos?
Precisamos aprovar os medicamentos para tratar a doença. Estou conduzindo dois ensaios clínicos de fase 3, mas precisamos ainda de aprovação para progredir e da nacionalização. Esses medicamentos (para formas leves da doença) ainda são muito caros para a nossa realidade. São US$ 600 por cinco dias de tratamento oral. Os resultados são excelentes, tanto do Molnupiravir, da Merck, quanto do Favipiravir, da Fugi. O melhor de todos é o Paxlovid, da Pfizer, que tem a maior taxa de efetividade, 80%, mas também não tem registro por aqui ainda. Outra coisa importante é a aprovação dos medicamentos imunorreguladores para casos graves, de pacientes internados, também sendo testados no Brasil.

A senhora acha que a quarta dose da vacina é realmente necessária? E daqui para frente, vamos ter de nos vacinar todos os anos?
Sim, a quarta dose é uma indicação. A diferença, em termos de proteção, é muito grande. A doença começa a ir se estiolando, se tornando endêmica. Eventualmente teremos um surto aqui, um cluster ali, mas dificilmente um comportamento epidêmico mais amplo. Sobre a vacinação anual, não creio que precisaremos tomar mais vezes. Eu particularmente acho que não.

Dois anos depois, que balanço faz da pandemia?
Desde o início duas coisas chocaram, para bem e para mal: a enorme capacidade de resposta da comunidade científica brasileira e a tensão muito grande entre a retórica da comunidade acadêmica e os discursos oficiais. A retórica oficial foi muito nociva ao País, querendo emprenhar, digamos assim, conceitos como a defesa de medicamentos não eficazes, diante de uma população amedrontada, angustiada e empobrecida. Por outro lado, hoje, somos o 11.º País do mundo em número de publicações científicas sobre a covid-19. Isso é muita coisa.

O Brasil sempre foi um caso de sucesso no que diz respeito à imunização infantil, o que mudou?
O governo tem feito um desserviço enorme no sentido de desacreditar aquilo em que a população brasileira sempre acreditou tanto, a imunização.

Se for o caso de enfrentarmos uma nova onda da doença, estamos preparados em vacinas?
Sim, o Brasil hoje é autônomo na produção de vacinas. A Fiocruz é capaz de produzir de 25 a 30 milhões de doses por mês, se tivermos uma nova onda.

O Brasil, em mortos pela covid, perde apenas para os Estados Unidos. A que a senhora atribui esse desempenho tão ruim?
Tem muita coisa positiva também, estamos com 80% da população vacinada. Mas isso tudo poderia ter sido alcançado com menos tensão, menos problema, sem necessidade de CPI. Poderíamos ter trabalhado de maneira mais harmônica e mais eficiente. Poderíamos ter começado a vacinar mais cedo, ter uma retórica hegemônica, não termos de ir para a televisão desconstruir informações erradas sobre vacina, cloroquina, ivermectina, todos esses medicamentos inúteis. Quem ganhou com tudo isso?

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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