Cai cobertura de vacinas obrigatórias para crianças e risco de surtos cresce

A taxa de cobertura de todas as vacinas obrigatórias para crianças, como aquelas contra sarampo e poliomielite, teve redução em 2021. Isso é o que mostra levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM), obtido pelo Estadão. A queda na proteção, que começou a ser observada no Brasil por volta de 2017, pode agravar o risco de surgirem novos surtos das doenças.

Grande parte dos índices não está acima de 70% – patamar distante das metas, na faixa de 90%. Os dados representam um retrocesso que coloca o Brasil em cenário similar ao da década de 1980. Especialistas apontam que a campanhas do poder público e, mais recentemente, a desinformação em relação às vacinas são algumas das causas do problema.

Nos últimos dois anos, a pandemia de covid-19 distanciou a população dos postos de saúde. “É um problema que a gente não via anteriormente”, afirma a epidemiologista Carla Domingues, que coordenou o Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde de 2011 a 2019. “Agora isso (fake news) tem sido muito forte. Os pais estão hesitantes, receosos de que vacinas não vão fazer bem para a saúde de seus filhos. Então, é preciso ter uma grande mobilização para reverter a insegurança dos pais”, acrescenta.

A epidemiologista explica que desde 2017, quando se notou que a cobertura vacinal começou a cair, algumas ações resultaram em uma melhora pontual do cenário em 2018, mas o quadro voltou a piorar nos anos posteriores. Conforme dados do DataSUS coletados pela CNM no início de março, a taxa de cobertura vacinal para poliomielite era de 84,74% em 2017. Em 2021, chegou a 67,13%. Com a primeira dose da tríplice viral, que protege contra sarampo, caxumba e rubéola, o índice foi de 86,24% para 70,94%.

No mesmo período, a taxa de cobertura vacinal da BCG, contra tuberculose, foi de 97,98% para 65,93%, enquanto a da hepatite B caiu de 85,88% para 59,05%. No caso da imunização com tetra viral, que previne contra sarampo, caxumba, rubéola e varicela, a cobertura vacinal diminuiu de 35,44% para 5,70%. “A gente pode dizer que voltou para a década de 80, infelizmente. É um retrocesso gigantesco”, diz Carla.

Segundo ela, a partir dos anos 90 o Sistema Único de Saúde (SUS) fortaleceu as ações de imunização juntamente com apoio de Estados e municípios. “A gente conseguiu chegar a um patamar de 90% a 95% entre a década de 1990 até 2015. Foram mais de 15 anos de elevadas coberturas vacinais. O Brasil recebeu a certificação dos países livres da circulação do sarampo em 2016. Dois anos com baixa cobertura foram suficientes para a gente voltar a ter surto e em 2020 perder a certificação.”

O que ocorre – Ela conduz, em parceria com José Cássio de Morais, professor titular da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, um estudo para o Ministério da Saúde que busca identificar lacunas na vacinação de crianças e fomentar políticas públicas. Os resultados devem ser consolidados em maio. “A ideia é entender qual é realmente o problema e ver onde o ministério precisa dar mais prioridade. Se nós temos um problema filosófico – a questão da hesitação dos pais por medo ou segurança – ou se nós temos um problema operacional – questão das salas de vacina fechadas, pouco imunizante, horário de funcionamento etc.”

A epidemiologista explica que a baixa na cobertura vacinal pode resultar em novos surtos. Ela lembra que em 2019 houve surto de sarampo em São Paulo e cita casos de poliomielite na África, além de ocorrências de difteria em países como Venezuela e Haiti. “Essas doenças, se a gente não tiver elevadas coberturas vacinais, podem recrudescer no Brasil”, aponta.

Com a retomada das aulas, Domingues complementa que esse relaxamento na vacinação pode levar a consequências ainda mais graves. “A gente tem risco de ter surto de meningite, ou do próprio sarampo em adolescentes.”

Por áreas – Entre as regiões, a CNM aponta para Norte e Nordeste (onde a queda média na cobertura foi de 17%). “Não adianta um Estado ter cobertura boa se outras regiões do País não vacinarem. A gente viu isso na covid”, afirma Carla Albert, gerente da área de Saúde da CNM.

A especialista explica que o cenário atual é um reflexo de ainda não terem sido tomadas “medidas substanciais” para reverter o quadro de não vacinação – o que também reflete na pandemia. “O que a gente entende pelo estudo é que as dificuldades apresentadas na vacinação de 5 a 11 anos contra covid são uma continuação da dificuldade com outras vacinas.”

Dados reunidos pelo consórcio de veículos de imprensa apontam que 54,51% desse público-alvo recebeu até agora ao menos a primeira dose contra a covid-19. Procurado, o Ministério da Saúde não se pronunciou até a publicação desta matéria.

 

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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