Enem tem 26% de abstenção; Milton Ribeiro descarta interferência e cita questões

O primeiro dia de provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), neste domingo, 21, teve 26% de abstenção. O exame deste ano já havia registrado queda histórica no número de inscritos. Compareceram à prova 2,3 milhões de candidatos apenas. Em edições anteriores, o Enem recebia o dobro de candidatos.

“Mais importante não é o número de inscritos, mas o número de quem veio realmente fazer a prova”, disse o ministro da Educação, Milton Ribeiro.

Ele rebateu as críticas de que as ausências têm relação com falhas do MEC em melhorar o ensino em meio à pandemia. Como o jornal O Estado de S. Paulo mostrou, entre os jovens que desistiram de fazer a prova estão aqueles que não se sentiam preparados.

“Foi um número significativo porque sem o Enem uma série de outros passos da educação brasileira sofreria atraso que poderia prejudicar mais ainda os jovens que querem acender ao ensino superior”, disse Ribeiro. “São pessoas que resolveram enfrentar todas as dificuldades.”

O ministro disse ainda que o conteúdo da prova visto neste domingo mostrou que não “tem cabimento” denúncias sobre interferência no Enem. Caíram no teste questões sobre luta de classes, racismo, desigualdade de gênero e temática indígena.

“Tentaram politizar a prova, não houve nenhuma interferência. Talvez, se tivesse interferência, poderia ser que algumas perguntas nem estivessem ali. Não houve qualquer interferência e escolha de perguntas”, afirmou o ministro.

Depois, tentou se explicar: “Quis salientar que, se dependesse de uma visão radical, de que o governo é radical, existem questões que tocam alguns temas que numa visão mais conservadora são mais caros ao nosso governo.”

O Enem foi realizado em meio à crise de servidores no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), responsável pela prova. Os servidores afirmam que houve pressão para a troca de questões da prova.

 

(foto: Agência Brasil)

A prova do Enem deste domingo, 21, trouxe um trecho da música Admirável Gado Novo, de Zé Ramalho, uma charge do cartunista Henfil, questões sobre racismo e uma sobre um texto de Friedrich Engels, coautor do Manifesto Comunista, com Karl Marx. Trouxe, ainda, uma questão com a música Sinhá, de Chico Buarque.

Já o tema da Redação deste ano foi “Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil”. O Enem 2021 foi marcado por polêmicas envolvendo tentativa de controle sobre o conteúdo da prova e crise com os servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), responsável pelo exame.

O professor de História João Daniel Lima de Almeida, do Descomplica, disse que ficou surpreso com a qualidade da prova, que tinha questões “muito progressistas”. “Censura passou longe”, afirmou, se referindo às denúncias de interferência do governo na prova.

Ele menciona como exemplo a questão que tinha um texto de Friedrich Engels, que falava sobre a luta de classes entre o operariado e a classe média.

Para ele, a questão que usou a música Admirável Gado Novo, de Zé Ramalho, apesar de ter sido escrita durante a ditadura militar, falava sobre uma situação que poderia acontecer em qualquer época. “Era sobre a passividade do povo, uma metáfora provavelmente dos tempos atuais.”

Na questão sobre Engels, havia um texto que falava que não se podia confiar na classe média porque ela dizia ser a favor da igualdade e não era. A resposta certa era para o aluno indicar a luta de classes.

A prova de inglês falava da situação das mulheres negras nos Estados Unidos, usando trechos do livro da ex-primeira-dama norte-americana Michelle Obama. Além disso, outra questão discutia gênero, ao perguntar sobre as mulheres cientistas no século 19 que só podiam catalogar animais e plantas em viagens com seus maridos.

Duas questões tratavam de escravidão, uma sobre um escravo fugitivo e outra sobre os escravos chamados “tigres”, que levavam os fezes dos senhores quando não havia esgoto. A resposta correta, segundo o professor do Descomplica, era que esse trabalho reafirmava a hierarquia social.

Uma questão de interpretação de texto trazia a música Sinhá, de Chico Buarque, que conta a história de um escravo castigado por ter visto a sinhá nua.

Questões sobre temática indígena também apareceram na prova, como a que falava sobre os jesuítas terem aprendido medicina com indígenas no Brasil. “Não é a cara que o governo queria. Claramente, a prova usa o que se tem no Banco Nacional de Itens (BNI) e mantém o padrão, estilo e formato dos anos anteriores”, diz Gilberto Alvarez, do Cursinho da Poli.

Itens sobre refugiados e minorias também apareceram, mas sem causar polêmica. “Não é que os temas sumiram. Eles apareceram de outra forma, como se tangenciassem (os assuntos).” Já questões sobre a Amazônia, por exemplo, não foram vistos na prova deste domingo.

Para Alvarez, a complexidade da prova foi de média a baixa. “Foi uma prova em que muitas questões vão pela interpretação de textos e figuras.”

Em relação ao tema da Redação, parte dos candidatos relatou dificuldades. “Achei um tema atípico, mas muito importante que precisa ser discutido. É necessário conscientizar as pessoas de como são consideradas invisíveis diante da falta de registros”, disse Rodrigo Conte, de 17 anos, que pretende cursar Engenharia.

Redução de 41% de inscritos

Oséas Ferreira, de 20 anos, trabalha como empacotador em um frigorífico. Em algum momento entre o início e o fim da jornada de dez horas, percebeu que o sonho de estudar escapava entre os dedos. Ele queria cursar Direito, mas hoje, quando colegas da mesma idade estiverem a caminho do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), ficará ainda mais distante da universidade.

“Tem hora que dá desespero. Sempre gostei de estudar e não tenho oportunidade”, diz o jovem de Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte. Ferreira faz parte de um grupo que se tornou mais numeroso este ano: aqueles que nem chegaram a se inscrever no Enem. Porta de entrada para o ensino superior brasileiro, o exame será aplicado hoje e no próximo domingo, em meio a denúncias de tentativa de controle sobre questões da prova e crise com servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), responsável pelo teste.

Desde 2005, o Enem não tinha número tão baixo de inscrições. E, naquela época, a prova nem era usada para entrar em universidades públicas. O total de candidatos que vai fazer este Enem – cerca de 3,4 milhões – é quase metade do que o Ministério da Educação (MEC) esperava de inscritos no início do ano. Em relação ao ano passado, houve redução de 41% no total de inscrições.

A queda é maior entre os candidatos que já haviam concluído o ensino médio. E excluiu ainda mais pretos, pardos e indígenas. O corte na gratuidade para quem faltou no ano passado afastou ainda estudantes pobres que não conseguiram pagar a taxa de R$ 85 para participar. O ministro da Educação, Milton Ribeiro, que brigou na Justiça para não reabrir o prazo de inscrição, minimizou no Congresso o recorde negativo. “Quero saber de fato quantos vão fazer o Enem”, disse.

Em setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a reabertura do prazo de inscrição com gratuidade para quem faltou na edição passada. O Enem de 2020, realizado em janeiro deste ano, teve recorde de abstenção – grande parte de jovens que faltaram com medo de contaminação pela covid-19. A adesão à nova rodada de inscrições agora foi baixa: só 280 mil alunos a mais, que vão fazer a prova apenas em janeiro de 2022.

O ensino remoto ruim, em meio à pandemia, desmotivou os estudantes. “É complicado, não tem como aprender como eu queria. Não me sinto preparada”, diz Karen Carla Alves, de 17 anos. Após quase dois anos de aulas online, a jovem mineira decidiu não se inscrever e tentar só depois uma vaga em Medicina Veterinária.

Já Thiago Henrique Almeida, de 18 anos, começou a trabalhar para ajudar o tio. Morador de Epitaciolândia, no Acre, ele leva e traz gado entre dois municípios do interior. “Não consegui aprender de verdade. A gente só pegava material na escola, e assistia pela televisão, quando dava o sinal”, diz. “Meu tio me disse que no próximo ano vai pagar um pré-Enem para mim. Quero fazer Engenharia Elétrica. Não adiantaria tentar agora.”

Diretores e professores bem que tentaram mobilizar os estudantes, mas a crise fez força contrária. No Amapá, Arnanda Oliveira, responsável pelo ensino médio na Secretaria de Educação, viu famílias saírem da capital e voltarem para comunidades rurais ou ribeirinhas para sobreviver – muitas delas sem computador ou celular.

“A gente já percebeu esse impacto no Enem 2020 e mais ainda este ano. Qualquer ação que envolva WhatsApp, ou algo simples de internet, temos dificuldade de alcance”, afirma. “A educação dificilmente vai ficar em primeiro plano, porque essas pessoas precisam comer.” A queda de inscritos neste Enem é ainda maior na faixa de 21 a 30 anos – 68,8% em relação à edição passada.

CRISE. Em Pernambuco, ausências de alunos em aulas preparatórias para o Enem, aos sábados, chamaram a atenção. “Percebemos que muitos estavam indo trabalhar na feira livre, como carregador, qualquer função que oferecesse remuneração”, diz Regina Melo, gerente geral do ensino médio e anos finais do fundamental da Secretaria de Educação.

A morte de parentes próximos pela covid-19 também forçou jovens a buscarem emprego, antes de pensarem em continuar os estudos. “Vimos muitos casos de alunos que precisaram trabalhar para sustentar os irmãos porque os pais faleceram”, diz Sirlei Bayma, gerente do Ensino Regular da Secretaria de Educação e Desporto do Amazonas.

No Rio Grande do Norte, o secretário estadual da Educação, Getúlio Marques, calcula que 20 mil tinham interesse em fazer a prova (chegaram a se cadastrar), mas não tiveram a inscrição concluída, por falta de pagamento ou desistência. “O impacto vai ser grande nessa geração, para os próximos anos, com menos gente qualificada no tempo certo.” Procurado sobre as causas do encolhimento do Enem e políticas para reverter o problema, o MEC não se manifestou.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo

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