Negros lutam para ampliar diversidade em conselhos de administração

Quando se fala em diversidade nos conselhos de administração das empresas, a pauta de gênero tem avançado, inclusive por pressão do mercado de ações. Mas a inclusão de pessoas negras nos boards ainda deixa a desejar. Pesquisa do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) publicada neste ano, com 86 companhias, mostra que 77% delas não têm metas para ampliar a participação de negros na liderança, seja no conselho ou na diretoria. Na interseccionalidade entre raça e gênero, o cenário é ainda mais crítico: sequer há menção a mulheres negras nesses espaços.

 

Outro levantamento divulgado neste ano, da consultoria Spencer Stuart, mapeou 211 empresas brasileiras listadas na B3, a Bolsa de São Paulo. Na amostra, as mulheres ocupam 14,3% das posições em conselho, sem especificação de raça (são 246 ante 1.478 homens). Em 2020, esse porcentual era de 11,5%. Elas estão em 11 posições como chairs, o que representa 4,5% do total, número inferior ao do ano passado (6%). Em comparação, a média internacional de mulheres em conselhos é de 27,1%.

 

“A gente está tendo um avanço, principalmente quando se fala de diversidade de gênero, mas os números não refletem o que se vê no discurso. Na nova onda de IPO (abertura de capital), 40% das empresas não tinham nenhuma mulher no conselho. Ainda há muito o que se trilhar”, observa Jandaraci Araujo, conselheira do CIEE São Paulo e cofundadora do Conselheira 101, programa lançado em agosto de 2020 com o objetivo de ampliar a presença de mulheres negras em cadeiras de conselhos.

 

Estudo do Nu invest e Teva Indices divulgado em setembro apontou que a Enjoei, plataforma de vendas de produtos usados, lidera o ranking de empresas da B3 com mais mulheres nos conselhos. Das cinco vagas, três (60%) são ocupadas por elas. Em seguida, estão o Banco BMG e Marisa, com 50% cada, e o Magazine Luiza aparece na nona posição, com 37,5%. A pesquisa também não apresentou recorte de raça.

Executiva da área de sustentabilidade, que já foi subsecretária de Empreendedorismo, Pequenas e Médias Empresas do Estado de São Paulo e diretora executiva do Banco do Povo, Jandaraci pontua que não olhar para a interseccionalidade das diversidades é um problema estrutural no Brasil e que, de modo geral, a mulher negra não é vista nesse papel de conselheira.

 

“Somos 27% da população, mas nos conselhos de administração, na alta liderança, o número é muito baixo, nem de longe corresponde”, diz ela, que é conselheira emérita do instituto Capitalismo Consciente Brasil. Vendo que a pauta de gênero demorou para chegar às discussões do alto escalão e que a estimativa para atingir a equidade é de 30 anos, ela se questiona quanto tempo mais vai levar para pessoas negras serem vistas como capazes de ocupar essas posições.

 

 

Para mudar essa realidade, iniciativas como o Conselheira 101, que ainda tem entre as fundadoras a executiva de tecnologia Lisiane Lemos (Google) e a executiva de finanças Elisangela Almeida, têm surtido efeito. O programa leva às lideranças femininas negras conhecimentos sobre o papel de um membro de conselho, responsabilidades, formação, desafios e incentiva o networking. Das 18 participantes da primeira turma, no ano passado, sete (38%) já ocupam posições em conselhos de administração, fiscal, consultivo ou comitê.

 

Para Jandaraci, quanto mais houver oferta de formação, melhor, porque isso amplia as oportunidades e a qualidade de quem ocupa os boards. Ela vê como positivo também o interesse das lideranças de buscar esse tipo de formação, um movimento que mostra a urgência de mudar os rumos dos conselhos.

 

Único negro nos espaços

 

Com uma trajetória profissional de mais de 20 anos, o CEO da Tereos Amido e Adoçantes no Brasil, Kwami Alfama, sempre se incomodou em ser o único negro, ou um dos poucos, nas salas de aula e nas empresas em que atuou. Formado recentemente no Programa de Desenvolvimento de Conselheiros da Fundação Dom Cabral, agora ele busca uma cadeira em um board, que vai combinar com o cargo atual, para onde deseja levar a pauta da diversidade racial.

 

“Como executivo de uma multinacional, sempre prezei pela educação e acho que a possibilidade de fazer parte de um colegiado traz uma riqueza de aprendizado sensacional. Seria um passo importante no meu desenvolvimento e é algo que converso bastante nas empresas onde trabalhei. E isso faço como prioridade, de fomentar a educação”, diz.

 

Para chegar a esse novo patamar, Alfama considera que o networking é importante e já conversou também com consultorias de RH especializadas em alta gestão. Além da formação como conselheiro, ele buscou capacitação na área de inovação, empresas de tecnologia e startups. “Apesar da minha experiência como CEO, isso traz bagagem importante e a preparação para o conselho é muito importante, haja vista que o papel do conselheiro é diferente da gestão. É de direcionamento, de definir estratégia, olhar para o futuro”, afirma.

 

O CEO pontua que uma das vantagens de ter pessoas negras nos conselhos de administração é justamente acelerar as ações e alavancar a representatividade. “Hoje, a gente está andando num passo lento. Eu fiz aquela retrospectiva dos meus 30, 35 anos e não dá para esperar mais 30, 40 anos para ter representatividade nos conselhos ou em altos cargos de gestão das empresas. Temos de acelerar e transformar isso em três anos.”

 

Para isso, tanto ele quanto Jandaraci afirmam ser necessário olhar para o mínimo das diversidades e interseccionalidades. “Quando falo de mulher, pode ser negra, asiática, PCD, LGBTQ+ e tem de ter, dentro da organização, composição de conselho e liderança que represente isso”, diz a cofundadora do C101. “Precisamos de conselhos que não tenham só um negro ou uma mulher, mas que representem a pluralidade da sociedade brasileira”, completa o CEO da Tereos.

 

Diversidade em escala

 

Apesar de o networking ser importante, a diversidade nos conselhos só será viável também quando a indicação deixar de ser o único critério. Processos seletivos nas empresas e busca ativa por profissionais diversos podem ajudar a equilibrar o perfil dos boards. Na Exec, consultoria de RH especializada em alta gestão, a demanda por diversidade tem se intensificado, conta o sócio Sergio Simões, responsável pela área de estratégia e serviços para conselhos.

 

Ele estima que, há cinco anos, 100% das posições de conselho era feita por indicação e atualmente esse porcentual seria de 60% a 70%. Para atender esse pedido por diversidade, diz ele, do outro lado é preciso ter pessoas também diversas que entendam o que o termo significa de fato. “A Exec é uma empresa mais feminina do que masculina, é característica do negócio. A gente tem um conselho consultivo com representantes dos mais diversos tópicos relacionados à diversidade: idade, origem, raça, gênero e pessoas ligadas à pauta social”, descreve.

 

A consultoria também promove ações para inclusão de grupos minorizados, como o programa As Executivas do Amanhã, que seleciona jovens universitárias para serem mentoradas por mulheres executivas de renome. E na busca por profissionais para preencher os conselhos, Simões fala em proatividade. “Não é uma questão de cota. A gente não termina nenhum processo seletivo hoje sem mulheres. Se chegarmos a uma lista com três homens, por exemplo, não apresentamos ao cliente enquanto não tivermos mais uma diversidade.”

 

Para chegar a esses públicos, a equipe fica em contato e faz uma busca ativa junto a instituições como o próprio IBGC e o Conselheira 101. “Temos uma prática interna: todos os sócios da Exec fazem entrevistas proativas com conselheiros negros, LGBT, independentes, que não sejam somente homens brancos de meia idade. Todo sócio tem meta para isso”, destaca.

 

Mudança de paradigma

 

Simões percebe a mudança de interesse das empresas na hora de formar os conselhos, que são obrigatórios para toda companhia de capital aberto, com legislação específica (Lei 6.404/1976), e cuja função é pensar estratégias no longo prazo.

 

No começo dos anos 2000, quando os boards começaram a ser criados por pressão de investidores e da sociedade, o olhar era para um perfil financeiro. Hoje, embora esse modelo persista e seja dominado por homens, as companhias querem diversidade de opiniões, posicionamentos e maturidade – e aí entram, inclusive, personalidades como cantoras e atores. A justificativa é promover impacto e ajudar o negócio a crescer, de olho nas reais necessidades das pessoas.

 

O levantamento da consultoria Spencer Stuart aponta que os conselhos são formados, em média, por oito pessoas, que fazem em torno de 19 reuniões por ano. “Nos últimos 18 meses, a Exec preencheu 132 vagas em conselho, em 35 boards, e a maioria não tinha como primeira opção pessoas com conhecimento financeiro e homens de meia idade. Dessas posições, quase 40% eram mulheres”, conta o executivo, que reforça que a diversidade não pode estar ligada somente a gênero. Ele também reconhece que ainda existe um desafio quando se fala em pessoas com deficiência, negros e LGBTQ+.

 

Simões acredita que essa mudança vai se expandir, mas levará tempo. Por enquanto, ocorre principalmente pela maior discussão de temas como ESG e inovação digital e porque as companhias precisam de novos modelos de negócio e ouvem mais os consumidores. Segundo ele, os boards estão olhando mais para o futuro do que para os resultados numéricos do presente.

 

Outro indicativo de mudança são os pedidos de avaliação dos conselhos, em que a Exec analisa se há uma diversidade correta e coerente dentro das organizações. “Todas as avaliações que estamos fazendo estão culminando com troca de conselheiros. As empresas que ainda estão nessa história de ser indicado, chamar amigo, estão se prejudicando. Aquelas que almejam de verdade o propósito, têm conhecimento, encaram isso bem. As que não querem ter debates mais quentes que vão levar a mudanças não querem que façam diagnóstico”, observa.

 

Agência Estado

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