Mulher branca é maioria como líder de diversidade e reflete estrutura empresarial

Para liderar a pauta de diversidade e inclusão dentro de uma empresa, é importante falar a língua do meio empresarial: ter habilidades de gestão, planejamento, saber lidar com metas e métricas. Quando esse perfil se combina com representatividade, a expectativa é que as mudanças avancem mais rapidamente. Empresas que se desafiam a promover D&I no mercado de trabalho estão atentas a isso e buscam reunir em um único profissional as características necessárias a essa transformação.

 

Exemplos recentes são da executiva Lisiane Lemos, que assumiu a gerência de programas de recrutamento de diversidade, equidade e inclusão do Google para América Latina, e Helena Bertho, nova head global de D&I do Nubank. Ambas mulheres negras, elas agregam experiência corporativa e representação, porém, nem sempre é o que ocorre no mercado.

 

Helena Bertho, nova head global de D&I do Nubank

 

Pesquisa da consultoria Tree Diversidade em parceria com o Grupo TopRH, realizada entre agosto e setembro deste ano, coletou respostas de 276 profissionais do ramo e apontou um perfil diferente. A maioria é branca (51,1%), mulher cisgênero (75,7%), heterossexual (63,8%) e sem qualquer tipo de deficiência (94,2%).

 

“A gente encontrou essa questão da falta de diversidade dos profissionais e isso se deve ao fato de que eles são os que estão nas empresas como os demais, é a falta de representatividade que se vê no geral”, observa Letícia Rodrigues, sócia-fundadora da Tree. Um dado que corrobora essa percepção é que 30,8% dos que atuam com D&I acumulam outras funções, ou seja, geralmente são pessoas que já estavam na empresa com outras atividades e passaram a administrar a nova área.

 

No dia a dia, a especialista nota que as companhias estão buscando profissionais mais diversos de forma intencional, mas, de modo geral, o desafio ainda é “enorme”. Já no entorno de Ricardo Sales, sócio-fundador da consultoria Mais Diversidade, todos os profissionais de D&I pertencem a algum grupo minorizado, uma sinalização que, segundo ele, é importante para não cair no lugar comum de que não há nenhum tipo de diversidade.

 

“Há diversidade, mas é incompleta. Tem poucas pessoas negras nessa função e é um desafio para o mercado aumentar essa representatividade”, diz. O consultor percebe também que, apesar de incompleta, é um perfil de liderança mais diverso do que costuma ser o meio empresarial brasileiro.

 

A pesquisa da Tree apontou, ainda, que 40,2% dos profissionais trabalham com o tema de um a três anos, o que coincide com o tempo que as organizações vêm desenvolvendo a pauta (37,3% no mesmo período e 22,5% há menos de um ano). Como o assunto é relativamente novo e está começando a criar referências no Brasil, foram primeiro os grupos privilegiados que tiveram acesso aos conteúdos que despontavam em outros países.

 

“A gente tem esse grupo que é mais privilegiado, absolutamente bem informado, que tem formação no exterior, até porque não tinha curso aqui. É natural que seja assim, a gente está num espírito de mudança de trazer a diversidade para o centro do debate, mas a realidade é que a gente está inserido em contexto desigual. Se deixar acontecer naturalmente, a velocidade das mudanças será lenta”, comenta Daniel Consani, CEO do Grupo TopRH.

 

Segundo ele, é preciso estimular a inclusão de pessoas diversas nesses postos de liderança por meio de ações afirmativas. Enquanto esse processo é construído, tem de contar com quem já está lá, mesmo que brancos, heterossexuais e cisgênero. “Elas precisam também se conscientizar de que é preciso apostar na mudança e acelerar.”

 

Helen Andrade, diretora do Movimento pela Equidade Racial (Mover), dá o exemplo das empresas signatárias do projeto, que visa incluir mais negros no mercado de trabalho. Segundo ela, o fato de a maioria dos CEOs que discutem as ações ser homem e branco é uma realidade que precisa ser envolvida na luta antirracista. “Porque o racismo é um problema de todo mundo que atinge a população negra. Essas pessoas estão nessa posição e têm poder de promover mudança”, comenta.

 

O que precisa um profissional de D&I

 

Letícia Rodrigues entende que o problema de ter uma figura “padrão” na liderança de D&I é o não comprometimento. “O problema é ter a visão só dessa pessoa para estabelecer programas e políticas, a empresa precisa trazer olhares diversos para poder estabelecer estratégias. É importante que a pessoa que não seja de grupo minorizado consiga navegar pela temática, esteja preparada e consiga ouvir os diferentes stakeholders, trazer ponto de vista de minoria.”

 

Para Ricardo Sales, um bom profissional de diversidade e inclusão é resultado da interação entre três dimensões: conhecimento aprofundado do tema, a partir de uma perspectiva ampla e com base teórica sobre estudos de gênero e feminismo negro, por exemplo; conhecimento de gestão, com domínio da linguagem do meio empresarial; e conexão com a sociedade, porque “não posso ser profissional de diversidade só no meu escritório, tenho de estar na rua”.

 

O especialista diz que, isoladamente, esses elementos não bastam, mas é possível desenvolvê-los. “Você aprender sobre gestão e planejamento é tão possível quanto sua dedicação para aprender questões de diversidade e inclusão. O caminho clássico é comprar livros e se dedicar. Mas a prática dentro de gestão ensina muito mais e, na minha experiência, o que vejo é que, para grande parte dos profissionais, falta habilidade de gestão”, afirma. Segundo Letícia, cabe às empresas também investir na formação dessas pessoas.

 

Helen Andrade, que também é head de D&I da Nestlé no Brasil, concorda que o profissional precisa estudar, entender o tema, saber implementar projetos e conhecer comunidades diversas. “Quando a empresa resolve contratar, vai olhar de forma ampla, não para uma temática de diversidade”, diz. “As empresas não deveriam colocar uma pessoa na área de D&I unicamente porque é mulher, negra, trans ou PCD para ter aquele símbolo na companhia.”

 

No Mover, que reúne 47 empresas comprometidas com a promoção da equidade racial no mercado de trabalho, ela explica que não há imposição sobre a forma como cada uma vai trabalhar, mas há influência e compartilhamento de boas práticas. “Podemos falar que ter um profissional dedicado vai fazer com que a pauta acelere. Algumas companhias já abriram posições de gerente de D&I, que não existia antes, e geralmente buscam pessoas que têm conhecimento prático, que acompanham ações de D&I.”

 

“Saber que existe discriminação, racismo, preconceito e ser engajado é super importante, mas sentir isso faz com que a sua forma de atuação seja muito mais ativa e eu acredito que isso faz acelerar a pauta”, avalia Helen. Outra vertente que acrescenta força, ela diz, é quando o direcionamento vem do alto escalão, como presidência e diretoria.

 

Todos os especialistas ouvidos pela reportagem concordam que ter um profissional na liderança dessa pauta é essencial para que ela avance dentro das empresas. Delegar as ações apenas aos grupos de afinidade, compostos por funcionários engajados na causa, é insuficiente. “Se é uma pauta estratégica, tem de haver investimento em pessoas. Gosto da ideia de grupos terem autonomia, mas a figura do profissional é a do maestro, de organizar os ponteiros”, comenta Sales.

 

Agência Estado

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