CEO de 23 anos? Empresas apostam em jovens talentos na presidência

Uma pesquisa realizada em sete países pela Olivia, consultoria especializada em processos de transformação organizacional com foco em pessoas, apontou que para quase metade dos executivos (48%) a inovação nas empresas tem um modelo top-down, em que as decisões são tomadas pela alta liderança e repassadas aos colaboradores. Outros 38% disseram ser bottom-up, modalidade que abre espaço para a participação de todo o time nas tomadas de decisão.

 

O levantamento também revelou que, para os entrevistados, o principal ingrediente para um mindset inovador é a colaboração (56%), seguido de criatividade (23%), confiança (17%) e empatia (4%). A conclusão da Olivia é que as pessoas são parte essencial do processo de transformação das organizações: é o capital humano que ajudará as empresas a se adaptarem e a sobreviverem às mudanças.

 

Nesse contexto, algumas empresas – especialmente startups – que apostam em um estilo de gestão mais horizontal estão quebrando paradigmas ao contratar pessoas com menos de 25 anos para ocupar o cargo de CEO, tradicionalmente reservado a profissionais com anos de mercado. São jovens que, apesar de ainda não terem tanta experiência, unem performance, potencial e propósito e parecem já terem nascido com um DNA que entende que uma andorinha só não faz verão.

 

“É muito trabalho em equipe. Precisa ter confiança nas pessoas porque você mesmo não teve ainda tempo de consolidar experiência, então tem que confiar em quem sabe aquilo que você ainda não aprendeu”, reflete Felipe Adamoli, de 23 anos, que se tornou neste ano CEO da software house Nave.rs quando o fundador, Matheus Danemberg, passou a atuar somente no conselho.

 

O jovem presidente, que lidera 82 funcionários, conta que foi a terceira pessoa a compor o time da empresa, onde entrou como estagiário em 2018. De lá para cá, a ascensão foi meteórica: de desenvolvedor passou a gerente de produto, depois liderou a área de atendimento e foi migrando para a parte de gestão e estratégia. “O fato de o mundo da tecnologia ser tão acelerado faz com que a gente tenha que aprender e se desenvolver muito mais rápido”, analisa o executivo, que acredita que esse contexto digital de ciclos curtos tenha contribuído para sua evolução na startup.

 

No entanto, ele não quer saber de protagonismo. “Tenho um conhecimento muito bom sobre a história da empresa e foi isso que passou confiança para o fundador, mas é claro que também tenho pontos cegos”, afirma. “O que me ajuda a passar por esse desafio é ter escuta de iniciante, estar sempre aberto a ouvir o time. Não é aquela escuta em que você já está pensando no que vai responder.”

 

Nessa gestão colaborativa, Adamoli fala que a visão da empresa é sempre construída em conjunto, de forma que todos os envolvidos no processo entreguem o resultado que sabem entregar. “No meu recrutamento, procuro montar um time que supre minhas próprias deficiências. Cheguei com a mente muito aberta e toda semana estamos conseguindo validar uma nova mudança no modelo de negócio”, comemora.

 

Inconformismo natural dos jovens

 

Aos 26 anos, o médico Rafael Kenji conquistou também neste ano o cargo de CEO da Feluma Ventures, corporate venture builder com 10 funcionários, pertencente ao grupo FCJ Venture Builder. Mas primeiro ele precisou passar por um processo seletivo intenso para convencer a empresa de que a pouca idade não era um impeditivo.

 

Kenji era gerente médico em uma organização de telemedicina quando recebeu um e-mail sobre novas vagas para executivos na Feluma. “Assim que revelei minha idade para a representante do RH, ela já me cortou e disse que estavam procurando alguém mais sênior, até por se tratar de uma empresa com mais de 70 anos”, conta.

 

Mas Kenji argumentou, pediu para continuar a reunião. “Aí fiz um storytelling contando da minha experiência em gestão e inovação na área e acabei passando”, diz o jovem médico, que decidiu redirecionar a carreira para gestão e empreendedorismo na área após uma passagem pela Harvard University no último período da faculdade, em 2019. A guinada o levou a fundar a Medic Júnior Consultoria em Saúde, uma das primeiras empresas juniores de medicina do País.

 

Para ele, outro fator que pesou na decisão do corpo diretivo da Feluma foi trazer o inconformismo típico dos jovens para a instituição. “Nunca acreditei que só aquilo que a gente aprende na faculdade poderia me transformar em um médico completo”, relata o CEO. “Comecei a questionar meu propósito cedo e foi isso, aliado ao meu planejamento de trabalho para os próximos cinco anos da empresa, que convenceu.”

 

O executivo também aposta no modelo de gestão bottom-up e na pluralidade de visões do time. “A gente tem um time de pessoas variadas e diversas, em que todos os papéis são igualmente importantes”, sublinha. “Trabalhamos com metas que são cumpridas em conjunto. Aqui, as falhas e os acertos são sempre compartilhados.”

 

Autoconhecimento e soft skills em alta

 

Propósito também é a palavra de ordem de Carolina Utimura, que se tornou aos 25 anos CEO da Eureca, empresa com 47 funcionários que conecta organizações às novas gerações e busca desenvolver jovens talentos.

 

Hoje com 26 anos, a profissional formada em Relações Públicas pela Unesp já foi presidente executiva da Confederação Brasileira de Empresas Juniores, conselheira fundadora do Pacto da Juventude pelos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU) e delegada brasileira no Y20 Tokyo, fórum de juventude dos países do G20. A forte atuação vinculada à inclusão produtiva dos mais jovens, acredita, jogou a seu favor na Eureca, onde ela entrou em 2018.

 

“Estou há cinco anos estudando inclusão produtiva, então meu trabalho é dar um olhar de planejamento estratégico de impacto mais macro para diversidade e inclusão”, ela relata. Para encarar o desafio, Carolina diz que conta com uma rede de apoio bem estruturada, com mentores para pautas específicas, mantém uma relação estreita com os conselhos consultivos e segue um modelo de liderança ativista.

 

“Trago minha vulnerabilidade para quem tem a rodagem que eu não tenho”, explica. “É uma visão forte sobre competências complementares. Precisa tirar o líder daquele espaço heroico para empoderar o time.”

 

A presidente fala ainda que é importante manter a mente saudável para não cair nas garras da síndrome do impostor, em que o profissional questiona se é mesmo capaz o tempo todo. “É uma tendência para grupos sub-representados (como mulheres na liderança), então é fundamental celebrar os resultados, saber que foi por competência”, observa. “Também precisa ter autocompaixão. É saber perdoar os próprios erros, afinar as pretensões e suprimir a autopressão de sempre buscar excelência. E sem essa de glamurizar a exaustão”, ela enfatiza, contando que passou por três burnouts antes de começar a fazer terapia, em 2018. “Me vi desalinhada com o que era minha visão de realização. Eu hoje prezo por centramento e consistência, sem grandes picos ou grandes vales.”

 

Deixar o ego de lado e acelerar a maturidade

 

Para Carol Marcon, professora dos MBAs de Gestão Estratégica de Pessoas e Liderança da FGV-SP e fundadora da Marcon Leadership Consulting, consultoria para desenvolvimento de CEOs e seus times diretos, pessoas que passam a ocupar essa posição antes dos 25 anos serão cada vez mais numerosas, principalmente em áreas como tecnologia. A ampliação do nível de consciência, no entanto, precisa ser mais rápida.

 

“Quem tem uma carreira tão acelerada não pode se perder nas armadilhas do ego fácil, tem que acelerar a maturação”, destaca, lembrando que o neocórtex só está plenamente formado aos 24 anos. “Do ponto de vista da neurociência, só aí somos considerados adultos. Por isso as práticas de autoconhecimento que ajudam a sair do ego e ir para a confiança mais rapidamente ajudam muito.”

 

Para que o tempo menor de experiência não se torne um obstáculo, ela fala que é importante dar atenção a três habilidades principais. “Primeiro o profissional precisa ter a capacidade de redirecionar o foco”, explica. “Nessa idade, provavelmente ele já veio de uma posição em que deu para sentir o drive do negócio, mas para ser o executivo principal é importante passar a ter um olhar para o todo da empresa, que é mais complexo.”

 

A segunda habilidade é aprender a pensar em resultados de médio e longo prazos, segundo a especialista. “É uma maturidade de gestão que eles vão ter que aprender mais rápido para criar estratégias que se sustentem não só a curto prazo”, ela enfatiza.

 

A comunicação e a forma de lidar com as informações são outro ponto-chave: para Marcon, apesar de a comunicação ter que ser clara, inspiradora e instrutiva, o CEO deve saber filtrar as informações, pois não dá para contar tudo para todos da mesma forma. “É a hiperhabilidade de saber lidar com todos os níveis e ter muita proximidade com a base.”

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