Debate sobre racismo na escola deu origem à 1ª Expo de Consciência Negra em SP

 

Por que eu tenho de falar sobre pretos na sala de aula? Foi essa questão que a professora Adriana Vasconcelos recebeu de volta, de algumas colegas da rede municipal de São Paulo, ao perguntar informalmente sobre o conteúdo “História e Cultura Afro-Brasileira”. Desde 2003, o tema deve fazer parte do currículo das escolas, mas a lei nunca entrou de fato nas salas de aula. Para responder à pergunta, a assessora especial da Secretaria de Relações Institucionais atua em duas frentes com o apoio de outras pastas. Uma é a criação de um curso de pós-graduação sobre racismo estrutural para os professores da rede. A outra é a 1ª Expo Internacional da Consciência Negra, evento que vai discutir o tema a partir da linguagem do carnaval.

Entre os dias 19 a 22, esculturas e alegorias carnavalescas pretendem resgatar a importância da população negra na história da humanidade, das ciências às inovações tecnológicas, em 10 mil metros quadrados do Anhembi, zona norte da cidade. A Prefeitura espera receber cerca de 5 mil pessoas por dia que devem passar por cinco alamedas temáticas (educação, cultura, empreendedorismo, tecnologia e mulher). O evento será internacional, com participação de representantes de países africanos. A exposição está inserida no projeto “São Paulo, Farol de Combate ao Racismo Estrutural” que pretende promover a igualdade racial.

A linguagem carnavalesca foi escolhida por sua identificação com a população negra e pela possibilidade de abrir os olhos da população de uma maneira lúdica e para um tema espinhoso – a permanência da herança escravocrata na sociedade atual. O foco é a educação. Um dia do evento será dedicado às visitas dos estudantes da rede municipal; as crianças terão atividades específicas, com jogos e brinquedos de origem africana. “Uma das nossas preocupações é o fato de a Lei 10.639 não estar dentro das escolas. Precisamos de um evento com desdobramentos para a educação e para políticas públicas”, comenta Adriana, curadora da Expo.

Em 2003, a lei 10.639 tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas, públicas ou particulares, no Ensino Fundamental e Médio. Na prática, no entanto, professores afirmam que a “lei não pegou” porque a luta antirracista ainda é um tema polêmico – vide as discussões sobre a adoção de cotas raciais nas universidades, por exemplo. Adriana percebe a lacuna na formação dos professores a partir de sua própria experiência no Ensino Médio – ela lecionou na rede municipal de 2006 até começar a atuar na secretaria no ano passado.

Mas ela afirma que o contexto está mudando. “Nós (os negros) estamos ocupando espaços de poder que antes vetados, como a universidade. Quando rompemos essa barreira, nós levantamos uma nova narrativa. Vamos contar uma história que ainda não é contada nas salas de aula”, afirma.

Além da exposição, as secretarias de Relações Institucionais e de Educação trabalham no aperfeiçoamento da formação antirracista dos professores. Um curso de pós-graduação, com conteúdo prático e teórico sobre racismo estrutural, está em elaboração. A ideia é lançá-lo no início do ano que vem.

A formação também vai completar a experiência dos educadores na sala de aula. No caso de Adriana, a vivência também é de militante do movimento negro e uma das primeiras a abordar o tema, mais uma década atrás. A professora conta que ainda hoje ex-alunos voltam para agradecê-la por terem sido os primeiros de suas famílias a cursar o Ensino Superior. Sua própria história pessoal é assim. Filha de um policial militar e uma dona de casa, Adriana integra a primeira geração de sua família a chegar à academia. Aos 49 anos, a moradora da zona norte tem dois filhos – um deles, Rafael, já é universitário e estuda Engenharia Naval na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

As memórias de educadora negra trazem, entre os episódios inesquecíveis, uma viagem com 10 alunos da escola Vereador Antonio Sampaio, na zona norte, para os Estados Unidos em 2014. O intercâmbio foi fruto de uma parceria entre o Museu Prince George’s , de Washington, e o Museu Afro, de São Paulo, para estudar os impactos da escravização lá e aqui. “Lá, conseguimos ver como os negros alcançam os espaços de poder. É isso que estamos fazendo aqui também”.

 

Agência Estado

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