Aniversário de Gonzagão e dia do forró ganham festa em São Paulo

Foi mais do que uma dança o que deixou de ser praticado no Canto da Ema durante os 18 meses em que a covid-19 cometeu seus maiores estragos. Sem poder receber o público que toma sua pista de rosto colado há 21 anos, a maior casa de forró de São Paulo sentiu a morte de um jeito de viver que, ao contrário do samba, do rock, do jazz, do reggae, do choro ou de qualquer outra expressão que habite uma casa de shows na cidade, só existe para um se houver também o outro. Golpeado na dança, o baião sufoca. Sem o toque, o xote e o xaxado valem menos.

 

Ainda que de máscaras, e felizmente vacinados, os resistentes do ritmo e os amantes de Luiz Gonzaga, o homem que “criou uma Nação”, como é percebido por conterrâneos que não tinham visibilidade antes de sua figura sintetizá-los, terão bons motivos a comemorar nesta segunda, dentro e fora do Canto da Ema.

 

Hoje, 13 de dezembro, é dia de nascimento do Rei do Baião. Morto em 1989, Gonzaga faria 109 anos e teria orgulho de ver o forró receber, neste dia, o título de Patrimônio Imaterial Brasileiro pelo Iphan, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Depois de trabalhar por dez anos pelo “batizado do filho que não tinha certidão”, como diz a produtora cultural de João Pessoa Joana Alves da Silva, ela vai participar de uma série de formalidades e festejos em João Pessoa, ratificando a insígnia protetora do gênero. “Agora, vamos para a Unesco fazer do forró um Patrimônio Cultural da Humanidade”, ela conta ao Estadão.

 

SUPERGÊNERO

 

Única expressão definida formalmente pelo Iphan como “supergênero” por abrigar uma longa família que inclui o baião, o xote, o xaxado e a quadrilha, o forró (alguns defendem que o nome trate apenas da cultura, e não de um ritmo específico, algo de que Dominguinhos discordava) tem seu dia nacional graças a Paulo Rosa, dono do Canto da Ema e propositor da efeméride ao lado da ex-prefeita Luiza Erundina. O Dia Nacional do Forró também é hoje, não por acaso aniversário de Gonzaga, e um show no Canto, a partir das 22h30 – a casa abre às 20h30 – pode ter um significado maior do que nos outros anos. “A música brasileira tem como alicerces Carinhoso, de Pixinguinha; Chega de Saudade, de João Gilberto; e Asa Branca, de Luiz Gonzaga”, diz Paulinho Rosa. Além de lembrar da onipresença de Gonzagão, a noite pode representar também o tamanho do arco que os mais de 100 anos de forró abre sobre as novas gerações.

 

A festa de hoje será conduzida pela cantora Mariana Aydar, que neste momento ainda deve estar lutando para fechar o repertório. “Vai ser difícil caber tudo em duas horas.” Mari é mulher, algo já bem significativo na tradição do gênero, expressão de uma cultura muitas vezes machista que só não enterrou mulheres como Anastácia, Marinês, Elba Ramalho e Almira Castilho porque, essas, ninguém segurava. Ao lado de Mari, uma das convidadas será a cantora Assucena, artista trans, ex-integrante do grupo As Baías. Mais do que machista, o forró de Gonzaga espelhou também a homofobia dos sertões. Basta ouvir Viola de Penedo, do recifense Luis Bandeira, que Gonzaga gravou em 1978 cheio de convicção: “A fazer coisa que eu não gosto / Prefiro ir preso e passar fome / Morro dizendo que não quero / Não aceito e não tolero / Dança de home com home.”

 

SEXISMO

 

“Ainda é uma nova informação (a presença de pessoas trans no forró), por mais que já se veja homens dançando com homens héteros”, diz Mariana Aydar, que gravou o álbum Veia Nordestina, em 2019, e lançou um documentário sobre a vida de Dominguinhos, em 2014. Assucena, nascida e criada no sertão baiano de Vitória da Conquista, como diz, e “com toda aquela voz potente e impressionante”, como fala Mari, não acredita em sexismo ou homofobia isolados. O forró, assim como o samba ou o rock, são espelhos de um pensamento coletivo. “A música, apesar de ser feminina, musa, reflete também o mundo e é produto da humanidade. Mas eu acredito que esse pensamento esteja ficando cafona e ultrapassado até mesmo no forró graças à força das pautas feministas.”

 

Do outro lado, o percussionista cearense Tiziu do Araripe responde pela velha escola. A noite terá ainda a participação do garoto sanfoneiro Abner, de 12 anos, que Mariana conheceu durante uma live; o jovem zabumbeiro Feeh Silva; e um dos maiores prodígios da novíssima geração do acordeom, o músico Cosme Vieira, 24 anos. “Gonzaga fez tudo”, ele diz. “Uniu tudo quando criou o trio do forró, juntando o agudo do triângulo, o grave da zabumba e a sanfona.” Mais do que formalizar o gênero, Gonzagão criou também, ainda que por assumida apropriação de um canto apócrifo pelas baixas de Exu, Pernambuco, onde nasceu, um hino de alcance planetário. Asa Branca, registrada em nome de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, tem uma melodia de assimilação imediata e execução empírica, tocada só por notas naturais. Com ela, Gonzagão facilitou a vida dos meninos sanfoneiros e imortalizou um povo. “Foi o que aconteceu comigo”, diz Cosme. “Toquei Asa Branca aos quatro anos de idade e nunca mais parei.”

 

Agência Estado

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